No meio acadêmico, a máxima “publique ou pereça” sempre esteve muito presente. Como professor há várias décadas sei que o desenvolvimento profissional na academia está intrinsecamente ligado à pesquisa e à escrita científica. No entanto, estamos vivendo um momento peculiar: o surgimento de ferramentas de inteligência artificial está gerando uma onda de resistência frente ao uso dessas ferramentas que me faz recordar outras transformações tecnológicas que presenciei ao longo da minha carreira.
- Nesse ínterim, um insight para refletirmos
- E a História se repete, mas é diferente dessa vez
- O futuro inevitável: reflexões sobre adaptação e evolução no meio acadêmico
Nesse ínterim, um insight para refletirmos
Recentemente, vivi uma situação que ilustra perfeitamente o clima de desconfiança que paira sobre o uso de IA na escrita acadêmica. Um avaliador de um artigo meu fez um comentário bastante revelador: “se vai usar o ChatGPT, pelo menos não deixe rastros“. O gatilho para essa observação? O simples uso da palavra “insights” em minha introdução – palavra que, vale ressaltar, foi escolhida conscientemente por mim, sem qualquer auxílio de IA, pois é típica na área de tecnologia da informação, que faz sim uso de muito estrangeirismos.
Em outra ocasião, a palavra “ínterim” em meu texto também gerou suspeitas similares. É curioso como certas escolhas vocabulares agora são vistas como “indícios” de uso de IA, como se um autor não pudesse naturalmente optar por termos mais elaborados em sua escrita.
Ainda mais preocupante foi presenciar uma banca de TCC onde um avaliador orgulhosamente apresentou uma porcentagem de “texto gerado por IA” – ironicamente, utilizando ele próprio uma ferramenta de IA para fazer essa verificação. A contradição é evidente: usar IA para detectar IA é aceitável, mas utilizá-la como ferramenta de apoio à escrita é visto com desconfiança.
Existe uma contradição interessante no cenário atual: ao mesmo tempo em que há uma forte resistência ao uso da IA na produção acadêmica, os próprios mecanismos de combate a essa prática já pressupõem sua presença consolidada. Quando avaliadores utilizam ferramentas de IA para detectar textos gerados por IA, implicitamente reconhecem que esta tecnologia já é parte integrante do processo de escrita acadêmica.
No entanto, em vez de buscar formas construtivas de integrar essas ferramentas ao trabalho científico, estabelecendo diretrizes éticas e metodológicas para seu uso, opta-se por uma postura de confronto e negação. Esta abordagem não apenas ignora a inevitabilidade da evolução tecnológica, como também desperdiça o potencial de aprimoramento que a IA pode trazer à produção acadêmica. É como tentar conter o avanço do mar com as mãos: ao invés de aprender a navegar nas novas águas, gastamos energia tentando impedir o inevitável.
A História se repete, mas é diferente dessa vez
Essas situações me remetem a outras transições tecnológicas que vivenciei no ambiente acadêmico. Lembro-me claramente da resistência à transição do mimeógrafo para o processador de texto. Na época, fui responsável por introduzir o novo formato de provas digitadas no computador na escola em que trabalhava e, com isso, fui alvo da revolta de vários professores, que literalmente se vangloriavam de serem “retrógrados“, recusando-se a aceitar provas em formato digital.
Em meu mestrado, tive um professor que exibia com orgulho sua dissertação de mais de 300 páginas datilografadas, sem uso de corretivo. “Aquilo sim era uma dissertação de verdade“, dizia ele com orgulho. Reconheço o mérito e o esforço envolvido em tal façanha, além do próprio conhecimento ali contido, assim como sei o quanto foi trabalhoso desenvolver minha própria dissertação, mesmo tendo o auxílio do computador. Entretanto, hoje eu tenho certeza que, se tivesse tido acesso às ferramentas de IA naquela época, certamente atingiria um nível muito mais elevado em meu trabalho.

Em 30 anos de sala de aula, observei que raramente uma inovação tecnológica foi recebida de braços abertos pela docência. Contudo, a resistência à IA parece especialmente intensa. Pela primeira vez, temos uma tecnologia que possui potencial para substituir certas funções do professor, o que naturalmente gera medo e insegurança naqueles que não a compreendem plenamente.
Minha própria trajetória com a tecnologia ilustra como as habilidades evoluem: fiz curso de datilografia e me tornei um excelente digitador – habilidade da qual hoje me gabo para meus alunos, que, por sua vez, me superam em velocidade nos teclados virtuais dos smartphones. Atualmente, sempre que possível, opto por comandos de voz em vez de digitação. É uma evolução natural.
O futuro inevitável: reflexões sobre adaptação e evolução no meio acadêmico
É inegável que caminhamos para um futuro muito próximo onde o professor trabalhará lado a lado com a inteligência artificial. Não faz sentido impor às novas gerações o domínio de tecnologias obsoletas apenas porque foram importantes no passado. A IA não vai diminuir a capacidade de produção intelectual das pessoas – pelo contrário, vejo nela um potencial imenso para potencializar a qualidade dos trabalhos acadêmicos.
A história das revoluções industriais nos mostra que é inútil resistir aos novos paradigmas tecnológicos. Em vez de lutar contra essa inevitável transformação, precisamos aprender a incorporar a IA de maneira ética e produtiva em nossa prática acadêmica. Assim como o processador de texto não eliminou nossa capacidade de escrita, a IA não substituirá nossa capacidade de pensar e criar – ela apenas nos ajudará a fazer isso de forma mais eficiente e, potencialmente, mais criativa.

O verdadeiro desafio não está em resistir à mudança, mas em aprender a utilizá-la de forma construtiva, mantendo a integridade acadêmica enquanto aproveitamos os benefícios que as novas tecnologias podem oferecer. Afinal, o objetivo final continua sendo o mesmo: produzir conhecimento de qualidade e formar profissionais preparados para o futuro, não para o passado.
A propósito, antes que eu me esqueça: sim, eu escrevi esse texto sem o auxílio de uma IA.

Graduação em Sistemas de Informação pelo Centro Universitário Faminas. Pós-graduação em Engenharia de Software pela Universidade Gama Filho, pós-graduação em Planejamento, Implementação e Gestão da EAD pela Universidade Federal Fluminense. Mestrado em Pesquisa Operacional e Inteligência Computacional pela Universidade Cândido Mendes, em Campos dos Goytacazes. Atualmente é professor do Centro Universitário Faminas, campus Muriaé, lecionando disciplinas relacionadas à Tecnologia da Informação para diversos cursos de graduação; também é professor designado na Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG – Unidade Carangola, para o curso de Sistemas de Informação. Tem longa experiência na área de Computação, com ênfase em Sistemas de Informação, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Linguagens de Programação, Algoritmos e Estruturas de Dados, além de conhecimento técnico em diversas plataformas de hardware e software, domínio de linguagens de programação de construção estruturada e orientação a objetos. Experiência docente superior a 25 anos, em ambientes acadêmicos diversos. Experiência e versatilidade para atuação em ambientes de Educação à Distância, Ensino Remoto e aplicações de Inteligência Artificial no ambiente educacional.