Deixa eu te contar uma coisa: estou um pouco perdido. E acho que, se você ensina programação em algum nível, talvez também esteja. Há 35 anos, quando comecei a lecionar, o desafio era explicar o funcionamento de computadores para adolescentes, o que não era uma tarefa tão simples em 1995. Só para ilustrar: o botão de ligar o computador ficava atrás do gabinete. Internet? Espere mais alguns anos para ser viável. E o MS-DOS era o sistema operacional dominante na época.
Eu já trabalhava como programador havia alguns anos (nada de “dev”; era apenas “programador”). Não existia “front-end”; todos os sistemas desenvolvidos rodavam sobre o DOS, construídos em COBOL, Basic, QuickBasic e Clipper. Como programador, eu dominava os comandos do prompt do DOS e sabia usar computadores abstraindo esses prompts. Por isso, tinha uma certeza: o domínio de um computador estava atrelado ao conhecimento do seu sistema operacional.
Na mesma época, chegavam ao mercado brasileiro computadores com Windows 3.1. Assim que usei o Windows, percebi que toda a estrutura de arquivos, diretórios e comandos do sistema operacional era a mesma. O DOS continuava lá, servindo de base para o Windows 3.1, que apenas o amparava. Lembre-se: estamos em 1995. Para acessar o Windows 3.1, você ligava o computador, chegava ao prompt do DOS (C:\>) e digitava “win”. Ou, se quisesse mais comodidade, colocava esse comando “win” no “autoexec.bat”. Não havia boot direto para o Windows.
O Windows 3.1 foi um dos primeiros sistemas operacionais a usar janelas, ícones e mouse – um conjunto que fascinou os mais jovens. Usar o “Paintbrush” era quase uma experiência transcendental para eles. E adivinhe o que havia nos computadores do laboratório de informática da escola onde comecei a dar aulas? Exatamente: lá estava o Windows. Eu, programador e agora professor, insistia para que os alunos “saíssem do Windows” e mergulhassem no DOS.

Para mim, era a única forma de realmente entender como um computador funcionava. Eu era o professor chato que repetia “SAI DO WINDOWS”, explicando prompts de comando enquanto todos se maravilhavam com as janelinhas coloridas. Com o tempo, percebi que, apesar da minha boa intenção, estava tanto certo quanto errado. Certo porque entender o sistema por trás das interfaces era importante (que o diga o Linux); errado porque, para a maioria, o DOS tornou-se… bem, irrelevante. O Windows, com sua interface amigável, venceu. E a maioria dos meus alunos provavelmente nem sabe o que é “CMD”, muito menos um prompt de comando.
Atualmente, leciono em duas universidades, em cursos de tecnologia da informação. Ensino algoritmos, introdução a linguagens de programação, estruturas de dados, programação web, programação orientada a objetos e outros conteúdos que exigem compreensão aprofundada da tecnologia. No entanto, essa incômoda sensação de obsolescência tem marcado meus planejamentos didáticos. Desta vez, o “fantasma” chama-se Inteligência Artificial. E ela é muito mais poderosa do que o DOS ou o Windows jamais foram.
Sabe aqueles fundamentos de programação que tanto nos esforçamos para ensinar? Variáveis, tipos de dados, operadores, estruturas condicionais, laços de repetição… Tudo aquilo que acreditamos ser a base, o alicerce da programação? Pois é, a IA está fazendo tudo isso sozinha, e com uma facilidade assustadora. Basta um prompt bem escrito e, voilà: código gerado, limpo, funcional.
Mas eu quero deixar algo muito claro: não sou contra a IA. Pelo contrário, sou um entusiasta assumido. Frequentemente levo conteúdos, plataformas e agentes de IA para os meus alunos e para outros professores. Acredito piamente que o mundo será melhor com a presença da IA em todos os sentidos – na ciência, na educação, na indústria e até mesmo na arte. Tenho plena confiança de que a IA, quando usada de maneira ética e responsável, transformará nossas vidas para melhor.
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Ainda assim, me pergunto: qual é o meu papel agora? Serei o professor de DOS da era da IA? Aquele que insiste em ensinar algo que a máquina faz melhor e mais rápido? O professor que luta contra a maré enquanto o mundo avança? Confesso que, em alguns momentos, me sinto assim: perdido, como se meu conhecimento e minha experiência estivessem se esvaindo. Afinal, será que a sala de aula, em um curso focado na formação de programadores, deve “ENTRAR NO WINDOWS” da Inteligência Artificial? O futuro vislumbra cenários onde não haverá mais a necessidade de escrever linhas de código?
Tenho receio de cometer o mesmo erro do passado: insistir em algo que pode perder relevância, enquanto o mundo tecnológico segue em frente. Não quero ser o responsável por limitar o potencial dos meus alunos, forçando-os a se apegar a práticas que talvez já estejam ultrapassadas. Porém, ao mesmo tempo, não sei se substituir o ensino atual pela utilização total da IA é a solução ideal. A incerteza dessa decisão me consome. Será que estamos prontos para abandonar a escrita de código? Será que meus alunos estarão realmente preparados para lidar com as limitações e desafios da IA, caso dependam exclusivamente dela?
Não se trata de abandonar os fundamentos. Lógica de programação, pensamento computacional – isso tudo continua crucial (ou pelo menos é o que espero). Mas percebo que, em breve, bastará que nossos alunos conversem com a IA para orquestrar soluções complexas. Fico imaginando se, a partir de agora, uma aula de Introdução à Programação deve abandonar o foco na sintaxe e na escrita de código, para se concentrar na exploração do poder da IA, onde os alunos aprendam a construir sistemas inteiros a partir de prompts, a entender as nuances dos modelos de IA, e a lidar com questões éticas e de segurança.
É um desafio e tanto, eu sei. Mas também pode ser uma oportunidade incrível: uma chance de reinventar o ensino de programação, torná-lo mais criativo, mais relevante e mais conectado com o futuro. Minha esperança é alcançar esse futuro, olhar para trás e perceber que consegui passar bem por essa transição de paradigma e que a lição do “SAI DO WINDOWS” foi essencial para entender toda a transformação que a IA causará no ambiente acadêmico e no mundo ao redor.

Graduação em Sistemas de Informação pelo Centro Universitário Faminas. Pós-graduação em Engenharia de Software pela Universidade Gama Filho, pós-graduação em Planejamento, Implementação e Gestão da EAD pela Universidade Federal Fluminense. Mestrado em Pesquisa Operacional e Inteligência Computacional pela Universidade Cândido Mendes, em Campos dos Goytacazes. Atualmente é professor do Centro Universitário Faminas, campus Muriaé, lecionando disciplinas relacionadas à Tecnologia da Informação para diversos cursos de graduação; também é professor designado na Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG – Unidade Carangola, para o curso de Sistemas de Informação. Tem longa experiência na área de Computação, com ênfase em Sistemas de Informação, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Linguagens de Programação, Algoritmos e Estruturas de Dados, além de conhecimento técnico em diversas plataformas de hardware e software, domínio de linguagens de programação de construção estruturada e orientação a objetos. Experiência docente superior a 25 anos, em ambientes acadêmicos diversos. Experiência e versatilidade para atuação em ambientes de Educação à Distância, Ensino Remoto e aplicações de Inteligência Artificial no ambiente educacional.